Sasuke Jinraiden: O dia do choro do lobo - Capítulo 3
Naquela mesma noite, eu e Kina começamos a ficar de olho na situação, ou talvez seja mais apropriado dizer que estávamos de vigia. De qualquer forma, de acordo com o relato de Kina, os cadáveres haviam sido encontrados nos limites da aldeia. O argumento era óbvio: mesmo eu, se tivesse sido o culpado, teria escolhido um lugar sem aglomeração.
“Ontem, três homens foram assassinados na nascente do rio, na ponte Madressilva. Até agora, nunca houve dois assassinatos consecutivos no mesmo lugar.”
Kina abriu um mapa e apontou as áreas em que eu deveria ficar de olho. “Portanto, Sasuke, gostaria que você vigiasse os arredores do Lago Gardênia.”
Mostrei minha disposição em cooperar, mas não tinha a menor intenção de fazer isso.
Kina então apontou para uma colina um pouco ao sul do Lago Gardênia. “Vou me dedicar ao Mausoléu do Monte Espinhoso”.
“Mausoléu? É o túmulo de alguém importante?”.
”Sim, dos fundadores da Aldeia do Grito do Lobo.”
“Entendo.”
“Vou terminar a vigilância quando for dia.”
“Você é o chefe. Faça como quiser.”
“Somente neste mês, foram encontrados cadáveres por seis vezes. Calculei que a cada três ou quatro dias alguém é morto. Então…”
“Se tivermos sorte, conseguiremos pegar o culpado.”
“É isso mesmo.”
“Diga-me uma coisa: deve haver policiais e guardas nesta aldeia. Por que você não pensou em perguntar a eles?”, perguntei a ele.
“Sasuke, que tipo de pessoa você acha que é o culpado?”.
“Hm…”.
“Dê-me uma resposta precisa.”
Voltei meu olhar para o céu e disse: “Penso que, pelo que vi ontem, o chakra dos cadáveres fora sugado: isso significa que o culpado é um ninja.”
“Eu também acho. Os guardas só conseguem eliminar os infratores usando cilindros. Desde que seja um ninja normal, pode até ser suficientes, mas é provável que o culpado que estamos procurando seja um ninja mais habilidoso”, disse Kina.
“Você quer dizer que os guardas não seriam capazes de derrotá-lo?”.
“Exatamente.”
“Sendo esse o caso, seria impossível para você também, certo?”.
“Não pense que sou apenas um moleque! Tenho minha própria substância ilusória especial. O Kotaro do meu irmão é incomparável com o ‘Kina Especial’, posso aniquilar qualquer oponente! Também tenho alguma prática com essas técnicas ninjas”, disse-me dando um tapinha em seu bolso.
“E você disse essas coisas para o Reishi?”.
“Claro que não! Isso é segredo!”, ele exclamou, olhando para mim de forma incrédula.
“Como pensei”.
“Agora vou para casa e depois que ele dormir, vou fugir furtivamente”.
“E antes que ele acorde, irá retornar?”.
“Claro, porquê preciso preparar onigiri para o café da manhã”.
O que eu estava fazendo?
Observei a figura de Kina correr para casa com um ar de triunfo, depois voltei para o santuário e tirei um cochilo.
Achei uma loucura brincar assim com o garotinho.
Tive um sonho dessa vez: eu era Itachi e Kina era eu. Kina havia dito algo impertinente e eu dera um peteleco em sua testa com meus dedos.
Fazia muito tempo que eu não dormia tão bem.
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Parecia que Kina não havia mentido para mim.
No dia em que começamos a vigilância, antes de chegarmos ao nosso destino, ele fora espancado duas vezes.
Na primeira vez, um bêbado disse a ele: “Ei, pirralho do Kodon! Onde você está escondendo o Roen? Você vai fazer com que ele ataque a aldeia novamente?”.
Kina ficou furioso e se atirou contra ele, mas acabou sendo espancado.
Na segunda vez, ele foi alvo de alguns meninos travessos da aldeia.
“Ei, moleque! Você deve estar ganhando muito dinheiro com a coleta de substâncias ilusórias! Por que não compartilha um pouco conosco?”.
Kina tentou enfrentá-los, mas levou tantos golpes que não conseguiu se levantar do chão.
Apesar de estar desgastado, ele passou a noite inteira vigiando o Mausoléu, na companhia dos vaga-lumes do xogum.
No segundo e terceiro dia, as coisas aconteceram mais ou menos da mesma forma.
Em vez de pegar a pessoa responsável pelos assassinatos, Kina fora atacado pelos aldeões, que insultaram sua origem e o difamaram. Até os cães latiam para ele.
Embora ele tenha se esforçado para lidar com aqueles que o provocavam, o máximo que conseguiu fazer foi obter novas feridas.
Do alto das árvores, dos telhados das casas e da parte de trás das lápides, eu o observava sofrendo bullying.
No quarto dia, entretanto, as coisas tomaram um rumo diferente.
Como de costume, no caminho para o Mausoléu do Monte Espinhoso, Kina foi alvo dos aldeões. Ao se aproximar de um túmulo, ele encontrou alguns homens que, tendo consumido a substância ilusória, estavam procurando um pretexto para brigar.
“Este não é o filho de Tenma Kodon?”.
“Ei, pirralho! Por causa do fracasso de seu pai, esta aldeia se tornou neutra e nós, ninjas, ficamos sem trabalho! Como você pretende nos compensar?”.
Kina gritou algo, mas não alto o suficiente para chegar aos meus ouvidos.
Os vaga-lumes do xogum estavam frenéticos, voando como uma dança selvagem, alternando entre momentos de luz e escuridão.
“No outro dia, quebramos a cara de seu irmão. Ele estava sentado calmamente colhendo algumas ervas medicinais. Ele começou a chorar e nos implorou para parar, dizendo que faria qualquer coisa! Ha ha ha!”.
Todos riram muito alto, batendo palmas estrondosamente.
Nos três dias anteriores, eu havia percebido que, se provocado, Kina aceitava qualquer tipo de desafio. Ele não recuaria nem mesmo na frente de ninjas.
Os homens o espancaram, agarraram-no pelos cabelos e empurraram violentamente sua cabeça contra uma pedra combalida. Um deles, que provavelmente sentia prazer em maltratar os fracos, sacou uma kunai e gritou: “Aconteça o que acontecer, esta aldeia não vai nos dar o sustento. Então, vamos acabar com o pirralho e nos tornar desertores!”.
Kina ficou olhando-os com um olhar de quem não tinha medo, mas em seu lugar, eu não teria feito o mesmo, pois sabia muito bem como era doloroso ser perfurado por uma kunai e conhecia a crueldade dos ninjas sedentos por sangue.
“Pare agora ou eu os matarei”.
Ao me ver aparecer por trás, os homens pararam de repente.
“E você, quem é você?”.
“Quem você pensa que é? Um justiceiro? Nós vamos acabar com você também!”.
“S-Sasuke! O que está fazendo aqui?”.
Com o rosto totalmente coberto de sangue, Kina piscou os olhos com espanto.
“Seu idiota, isso aqui não é briga, mas sim um ato suicida.”
Antes que Kina pudesse dizer qualquer coisa, vi uma kunai vindo em minha direção.
Movi ligeiramente a cabeça, peguei a kunai e a joguei de volta para o dono.
Ela acertou a coxa do homem, que caiu no chão e começou a gritar: “Waaaaah! Minha pernaaa!”.
“Ele também é um ninja?!”.
Eu me virei para os outros dois e disse: “Não há nenhum coveiro aqui? Vão precisar. Vocês estão cavando sua própria cova”.
“Seu desgraçado! O que você disse?! Você está blefando!”.
“Ok. Vou cuidar disso então”, um raio saiu de minha mão, meu Chidori.
Uma explosão violenta perturbou o sono dos mortos, abrindo um buraco no chão.
“Quem quer ser o primeiro?”.
Os dois homens perderam toda a sua coragem.
“Waaah! Quem diabos é você?”.
“Nunca mais cheguem perto desse garoto, entenderam?”, eu disse, ameaçando-os com meu olhar.
Enquanto os desgraçados fugiam, arrastando seu companheiro ferido, eu carregava Kina em meus ombros até a Mansão Iperico.
Ele estava inconsciente.
Pensei que, sem querer, eu havia me metido em assuntos que não me diziam respeito. Senti-me como se tivesse alimentado um cachorro abandonado, embora não tivesse a menor intenção de mantê-lo comigo.
A coisa em si, no entanto, não era particularmente ruim.
O que, por outro lado, também não era nada bom pensar naquele cachorro abandonado como algo meu.
No meio do caminho, Kina acordou, mas não me pediu para colocá-lo no chão. Fingi que nada havia acontecido e continuei andando.
Emitindo sua luz verde característica, os vaga-lumes do shogun nos seguiam por toda parte.
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Como eu imaginava, Kina foi duramente repreendido por Reishi.
“O que você tem na cabeça!? Então foi por causa dessas feridas tão profundas que você nem tirava a máscara em casa!”.
“Então o que devo fazer!? Continuar pelo resto da minha vida sendo ridicularizado pelos aldeões?! Vou lhes mostrar quem eu sou!”, gritou Kina.
“Foi uma sorte o Sasuke estar lá! Eles poderiam ter matado você!”.
“Eu não sou como você! Não tenho medo da morte!”.
Reishi o atingiu com um tapa.
Kina caiu no chão, mas continuou a olhar para seu irmão com ódio.
“Sabe o que aqueles caras me disseram? ‘No outro dia, quebramos a cara de seu irmão. Ele estava sentado calmamente colhendo algumas ervas medicinais. Ele começou a chorar e nos implorou para parar, dizendo que faria qualquer coisa!’”
“Chega!”.
No entanto, Kina não parou: “Você é um covarde! Você não sabe nada sobre mim e nem mesmo tenta me entender!”.
“Prometi ao nosso pai que, independentemente do que acontecesse, eu protegeria você”, disse Reishi, sem esconder a expressão de dor.
“Não sou mais criança!”.
“Não há solução para tudo. Às vezes, tudo o que você pode fazer é suportar.”
“Suportar, suportar!! Sempre a mesma história! Desde que nasci, não fiz nada além de suportar! Por quanto tempo mais terei de continuar assim? Suportar?! Isso nos fez algum bem?!”.
Reishi cerrou os dentes com força.
“Uma promessa ao nosso pai, hein? Eu já sei de tudo”, disse Kina.
“A que você está se referindo?”.
“Você realmente acha que foi ele quem estava errado, estou certo? Você murmurou algo sobre isso uma vez, enquanto colhia as ervas.”
“!”.
“Você achou que ninguém o ouviria? ‘Pai, por que você fez isso? Por sua causa, Kina e eu temos tantos problemas’.”
“Pare com isso”.
“’Eu odeio você, pai’”.
“Pare com isso!”
“Você só tem medo de lutar!”
“O que você sabe sobre isso?!”.
“Nesta aldeia, vivemos como vermes! Reclamar não vai mudar as coisas! Isso é o que eu sei!”.
“Kina! Onde você está indo?”, gritou Reishi, vendo seu irmão se afastar rapidamente da casa.
Em vez de desaparecer com ele, a raiva de Kina continuou a pairar no ar, como um espectro. Por algum tempo, Reishi permaneceu imóvel, com o olhar voltado para o nada. No jardim, os grilos tocavam uma melodia fria.
Atrás das folhas de grama, sob a árvore e no cercado do templo, os vaga-lumes do xogum também buscavam amor, emanando intermitentemente uma luz verde.
“Eu lhe agradeço, Sasuke. Kina pediu sua ajuda com algo tão bobo…”, disse-me Reishi.
“Você não precisa me agradecer. Fui eu quem o contratou.”
“Contratou-o?”.
“Em troca de onigiri de atum.”
Com essas palavras, a expressão de Reishi ficou um pouco mais relaxada.
Ele me preparou um chá de ervas medicinais tremendamente amargo, e nós o tomamos em silêncio por um tempo.
“O Kina… de fato, nós somos considerados um incômodo para esta aldeia. Meu irmão queria resolver esses casos de assassinato para finalmente ser aceito pelo nosso povo.”
Tomei meu chá em silêncio.
“Farei com que Kina me ouça. Então, por favor, Sasuke, sobre esse assunto, não…”
“Você não tem com o que se preocupar. Nunca tive nenhum interesse nisso. Só brincava de detetive com ele para matar o tempo.”
Reishi assentiu.
Tentei tocar no assunto: “Sou de fora e não quero me intrometer, mas você nunca pensou em deixar a aldeia?”.
“Sim, muitas vezes. No entanto, esta aldeia é cheia de recursos e, para um herborista como eu, é a ideal.”
Com facilidade, ele mudou de assunto.
Ele ficou olhando imóvel para seu chá, como se ele de alguma forma contivesse a resposta. Em seguida, olhou para cima e perguntou:
“Você acha que o mundo lá fora é melhor?”.
Eu não sabia o que responder.
Pensei nas disputas com outras aldeias, nos confrontos mortais entre ninjas, na dominação de canalhas como os membros da Akatsuki, qualquer um que reivindicasse a paz infligindo sofrimento aos outros. Eu não poderia dizer que um mundo assim era melhor. Portanto, apenas respondi: “Sinto muito. Não estou ciente dos fatos e disse uma bobagem”.
Reishi balançou a cabeça: “Não, sou eu quem devo me desculpar pelo comportamento de Kina”.
O pequeno bule emanava um leve vapor. Naquela longa e pacífica noite de outono, tive a sensação de que todas as minhas preocupações haviam desaparecido. Pelo menos, não havia nada que me fizesse hesitar.
“É apenas minha humilde opinião, mas acredito que o mundo dos ninjas está chegando ao fim. Suas habilidades serão substituídas por novas técnicas e um dia este mundo se transformará em um lugar que nem podemos imaginar”, disse Reishi.
O vento que vinha da varanda fazia balançar os miscanthus no jardim.
“Como o que aconteceu com o pó azul explosivo?”.
Reishi molhou a garganta com chá e continuou: “Exatamente. Primeiro, o pó explosivo azul foi criado por acidente, em uma tentativa de fazer um elixir de longa duração que pudesse curar todos os tipos de males. O clã Kumanoi misturou a substância com nitrato de potássio, enxofre e carvão, aumentando seu poder explosivo.”
“Eles queriam criar um remédio para a vida eterna, mas, ironicamente, obtiveram um instrumento assassino”, eu disse.
“O caminho de treinamento de um ninja é muito difícil e há até mesmo estagiários que perdem a vida durante o treinamento. É por isso que nem todo mundo é capaz de se tornar um ninja. Mesmo depois de concluir o treinamento, eles sabem que morrerão ao realizar uma missão. Eles veem a morte com seus próprios olhos, mas é por isso que são capazes de dominar técnicas com perfeição que ninguém mais pode imitar”, continuou Reishi.
“Sim.”
“No entanto, é aí que reside o problema.”
“?”.
“Quando a opinião pública na aldeia se dividiu em duas facções opostas há dez anos sobre a questão da neutralidade, ocorreu um incidente desagradável com a Aldeia da Chuva. Sabendo que as plantas usadas na criação de alucinógenos estavam crescendo na cordilheira dos Três Lobos, os ninjas daquela aldeia penetraram em nosso território com o objetivo de se apossar delas.”
“Não sei muito sobre a Aldeia da Chuva, mas ouvi dizer que há muitas pessoas que usam as artes ilusórias.”
“A Aldeia do Despertar do Lobo e a Aldeia do Nutrir do Lobo rapidamente caíram sob o controle deles e logo vieram até nós também. Você provavelmente já sabe disso, mas não havia ninjas dignos de nota em nossa aldeia e, em termos de habilidade, éramos inferiores às outras aldeias. Mesmo assim, conseguimos derrotar a Aldeia da Chuva. Qual você acha que foi o motivo?”.
“O pó explosivo azul?”.
Reishi assentiu e disse: “É isso mesmo. Para usar a pólvora em batalha, o clã Kumanoi fez cilindros maiores e menores, juntamente com as minas aéreas e terrestres. Seu uso é muito simples: você os sopra ou os esconde no subsolo. Não é necessário anos de treinamento, como acontece com as técnicas ninja. Até mesmo crianças podem usar essas armas sem dificuldade”.
Entendi aonde ele queria chegar.
“Em outras palavras, isso significa que, se um ninja morrer, ninguém poderá usar sua técnica, enquanto que essas ferramentas podem ser usadas por qualquer pessoa”, eu disse.
“Individualmente, certamente não fomos capazes de nos equiparar aos ninjas da Aldeia da Chuva. No entanto, uma batalha é um jogo de equipe. Uma técnica ninja, no entanto, é algo único. A técnica de um ninja é isolada e, como tal, não pode ser substituída. Se esse ninja for derrotado, a força de toda a equipe desaparecerá em um piscar de olhos. No nosso caso, ao contrário, a perda de um único indivíduo não afeta nem um pouco o poder coletivo.”
“Então foi assim que vocês derrotaram a Aldeia da Chuva. É por isso que você acha que o mundo ninja está condenado?”.
“Sim.”
“Ao ouvir você falar, no entanto, parece que você não quer que ele acabe. Por qual motivo? Isso significaria dizer adeus ao derramamento de sangue também.”
Reishi parou por um momento para pensar, depois foi direto ao ponto. “O derramamento de sangue não acabaria”.
“O que você quer dizer com isso?”.
“Após a vitória sobre a Aldeia da Chuva, muitos dos ninjas que pertenciam a ela foram levados como prisioneiros.”
Parecia que o passado permanecia em sua mente, fazendo-o esquecer até mesmo de piscar os olhos. Depois de uma breve pausa, ele voltou a falar: “O clã Kumanoi os levou até o Campo Minado”.
“Campo minado?”.
“As minas terrestres estão escondidas sob o solo. Seu interior é preenchido com pó explosivo azul levemente úmido. Elas são feitas de modo que explodam quando é aplicada uma pressão específica sobre elas. Como a pressão de um disparo que pode ser estabelecida com antecedência, caso sejam pisadas acidentalmente por uma criança, a explosão não ocorre porque o peso é insignificante. Dizem que essas minas têm uma potência igual a várias cartas-bomba. Em preparação para o ataque à Aldeia da Chuva, muitas foram enterradas ao redor do perímetro de nosso território. Os ninjas do clã Kumanoi forçaram os prisioneiros a caminhar sobre elas, enquanto o acampamento era cercado por homens equipados com cilindros. Eu tinha apenas sete anos de idade na época em que vi aquilo, e tudo ficou gravado em minha mente. Os prisioneiros que tentavam escapar eram abatidos com cilindros. Os outros, forçados a pisar em minas, eram explodidos um após o outro. Toda vez que uma mina explodia, gritos de alegria eram ouvidos.”
Seu olhar estava cheio de raiva e ele respirou pesadamente.
“Reishi…”
“Após a batalha, nossos aldeões se tornaram selvagens. O sangue corria por toda parte e uma mão decepada chegou até mim. Eles riam, todos eles riam!”.
“Reishi, acalme-se.”
“Meu pai não estava errado. Diante daquela cena terrível, todos eles riam. Qual era o motivo? É tão engraçado ver alguém morrer?!”.
“Chega! Já entendi! Acalme-se, Reishi!”, gritei, agarrando-o pelos ombros.
Os olhos de Reishi se arregalaram. Por um momento, ele se esqueceu completamente de quem era e onde estava. Ele abriu a boca e olhou para mim confuso. Depois, piscou várias vezes para voltar a si.
“Você está se sentindo bem?”.
“Eu sinto muito. Peço desculpas por como agi”, disse ele, ajeitando seus longos cabelos e sentando-se corretamente.
“Não tem problema. Você não é o único que está abalado.”
Eu queria desabafar com ele sobre Itachi. Até que ponto ele poderia me ajudar? O quanto isso aliviaria meu coração? Eu teria gostado de ouvir que não estava completamente sozinho, que não estava louco.
No entanto, isso não era possível para mim.
As palavras ficaram presas em minha garganta, como se uma maldição me impedisse de falar.
Percebi que, por ter errado tantas vezes, não me importava mais. Os erros que cometi me levaram a ficar sozinho, e eu sabia que nunca escaparia da solidão se continuasse a cometer erros.
Tive a sensação de que se, como ele disse, o mundo dos ninjas estava destinado a acabar, eu mesmo poderia acabar com ele.
Para começar, eu teria que reduzir a Aldeia da Folha a cinzas.
Senti que as chamas negras, que haviam diminuído desde minha chegada à aldeia, estavam começando a queimar dentro de mim novamente.
“Esta aldeia ainda não estava pronta para usar o pó explosivo azul. As coisas mudaram muito rapidamente e ninguém conseguiu acompanhar. Ao ver as minas explodirem, os aldeões batiam palmas e gargalhavam como crianças. Meu pai só queria tentar desacelerar essa mudança…”.
Quando me levantei, Reishi me interrompeu.
“Não me importo com sua família”, eu disse.
“Sasuke?”.
“Você é o mesmo que os aldeões.”
“!”.
“Entre gemidos e risadas, você observou como o pó explosivo azul funcionava, e desfrutou desses tempos de paz. Sua condição nunca mudará.”
“Você está errado! Meu pai fez alguma coisa! Ele usou Roen para fazer com que os habitantes percebessem que não podiam confiar apenas naquele pó.”
“Então o fato de seu pai ter libertado aquele monstro do selo não é apenas um boato. Se for esse o caso, a atitude de Kina é compreensível.”
“O que você sabe sobre isso? Um ninja mata, isso é praxe. Pelo pouco que vale, eu também sou um ninja e sei muito bem que, às vezes, é a única opção. No entanto, um ninja nunca se esquece das vidas que tirou”, disse Reishi com uma voz trêmula.
As palavras de Itachi ecoaram em minha cabeça novamente: ‘Perdoe-me, Sasuke. Esta é a última vez’.
“Apesar de ter causado tantas mortes, ninguém se lembra do massacre. Se você rouba a vida de outra pessoa para salvar a sua, nunca deve esquecer: foi isso que meu pai tentou dizer a todos, sem conseguir”, disse Reishi, à beira das lágrimas.
“Se não fosse pelo pó explosivo azul, você teria sido morto.”
“!”.
“Supondo que você esteja de acordo com isso, e quanto a Kina? Ele era apenas um bebê naquela época. A ideia de que ele seria morto pelos ninjas da Aldeia da Chuva não o incomoda nem um pouco?”.
Reishi não respondeu. Ele manteve a cabeça baixa.
Saí para o jardim, deixando a Mansão Iperico para trás. Subi os degraus de pedra acompanhado pelo som de insetos e voltei para o santuário. Entrei no recinto e me deitei em uma posição supina. Provavelmente o mundo dos ninjas estava de fato destinado ao fim. Olhando para o céu pela abertura no teto, me peguei pensando em coisas desconexas. Para sobreviver, os humanos eram capazes de fazer qualquer coisa. Usar Itachi para exterminar o clã era algo insignificante em comparação.
A partir de então, o pó explosivo se tornaria cada vez mais necessário, protegeria muito mais pessoas, mas, acima de tudo, continuaria a destruir vidas humanas, até o fim do mundo.
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Naquela mesma noite, no Mausoléu do Monte Espinhoso, ocorreu o sétimo caso de assassinato. Fiquei sabendo do fato por Kina no dia seguinte.
No auge de sua empolgação, ele gritou bem alto, agarrando-me pelo braço: “E isso não é tudo! As vítimas foram os três caras de ontem! Os cara que você espantou! As pessoas dizem que o culpado é aquele que jogou a kunai!”.
“Então o assassino seria eu. Vou me entregar”, eu disse revirando os olhos.
Atravessei o jardim do templo e passei por baixo do torii com um onigiri na boca.
Kina correu atrás de mim. “Espere, Sasuke! Aonde você está indo?”.
“Já descobri várias coisas sobre o Itachi. É hora de deixar esta aldeia.”
“Mas o colírio ainda não está pronto!”.
“Essa manhã meus olhos estão bons.”
“Mais especificamente, porque não tentamos dar uma olhada no local do assassinato?”.
Parei, e olhei para ele, imóvel: “Outro local?”
“Vamos lá, vamos lá! Vamos lá!”.
“Você não está me ouvindo? Eu estou indo…”
“Você está indo embora, já entendi! Não tem problema, não vou impedi-lo. No entanto, já que está no caminho, vamos dar uma passada no Mausoléu!”.
“Ouça-me, cabeçudo, se eu não tivesse impedido aqueles três ontem, provavelmente estaria morto”, eu disse, dando um peteleco na testa dele com os dedos.
Kina fez uma careta. “Que pena. Foi uma chance tão boa.”
“Uma boa chance para quê? Para se tornar um cadáver seco?”.
Depois de discutirmos por um tempo, caminhamos em direção ao Mausoléu.
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Quando chegamos, a polícia já havia deixado o local.
Pairando sob o sol, a lápide dos fundadores da aldeia parecia bem diferente: a fileira de carvalhos que parecia uma mão esquelética à noite, filtrava suavemente os raios de sol através dos galhos.
Um grupo de homens imediatamente se destacou diante de nossos olhos. Eles se aglomeraram em grande número em frente ao túmulo onde, na noite anterior, eu havia assustado aqueles três malfeitores.
Percebi o nervosismo de Kina, que estava caminhando ao meu lado, “O homem à frente, vestindo um quimono preto, é Jiryu Sendo. Eles estão todos aqui hoje porque os caras assassinados pertenciam ao clã deles”, Kina me disse, ajustando sua máscara de falcão, como se quisesse esconder sua fraqueza.
Ele tinha a cabeça raspada e um bigode branco. Seus seguidores não se pareciam em nada com pessoas honestas, e alguns deles usavam quimonos com o enorme símbolo de seu clã desenhado nas costas.
Eles nos observavam imóveis.
Nós, por nossa vez, não desviamos o olhar.
O homem que sussurrava algo no ouvido de Jiryu Sendo, reconheci como o traficante com a cicatriz na bochecha que havia me vendido o Kotaro falso.
Kina e eu avançamos até ficarmos cara a cara com aqueles homens.
O vento fazia balançar a grama, as folhas das árvores e a bainha de seus quimonos.
O silêncio total reinava no cemitério.
Aqueles canalhas apenas nos encaravam fixamente, como se quisessem nos dizer que não tínhamos saída.
Ninguém fez nenhum barulho.
Naquele momento, fui eu quem quebrou o silêncio: “Caiam fora”.
Os membros do grupo ficaram furiosos, mas foi Jiryu quem os manteve sob controle.
“Isso certamente não é uma maneira legal de cumprimentar. Então você é o guarda-costas que apareceu de repente para proteger o Kodon?”, perguntou ele.
“Como eu pensava! Foi você quem ateou fogo em nossa casa!”, gritou Kina, furioso.
“Ei, garoto, você está me acusando falsamente. Você tem alguma prova? Alias, fica se achando o corajoso, mas por baixo dessa máscara de falcão, já está se lamentando!”.
Um leve sorriso surgiu no rosto de Jiryu e ele encolheu os ombros, fazendo com que seus subordinados caíssem em uma gargalhada perversa.
“Naquela noite, havia um fedor nojento de peixe podre, idêntico ao que você exala!”, retrucou Kina.
O rosto de Jiryu Sendo se contorceu em uma expressão de espanto.
“O quê?! Tente repetir isso, seu moleque estúpido!”, gritou ele.
“Vou repetir quantas vezes você quiser! Você e seus seguidores fedem até o céu, seus idiotas!”.
Diante desses insultos inaceitáveis, um dos subordinados tentou se atirar contra Kina.
“Seu pirralho maldito! Parece que você ficou um pouco grande demais para suas calças!”, bloqueei a perna do homem, e ele tropeçou e caiu de cara na lápide.
Esse foi o sinal para começarmos.
Os homens se lançaram sobre nós, ameaçando-nos de mil maneiras.
“Vocês mexeram com o pessoal errado!”.
“Eu vou matar vocês!”.
“Vamos lhes dar uma lição!”.
Kina e eu tentamos evitar as kunai e shuriken que vinham de todas as direções.
Quando estávamos brincando de detetive, eu já havia observado a agilidade de Kina: a menos que ele se lançasse diretamente contra o oponente, não havia como pegá-lo. Além disso, se ele fosse pego, ele não poderia fazer nada. E caso fosse atingido, sofreria apenas alguns arranhões. Decidi eliminar rapidamente os adversários, sabendo que, se aquele garoto ficasse gravemente ferido, eu teria sonhos muito ruins.
Inspirei profundamente.
“Estilo Fogo: Técnica do Grande Dragão de Fogo!”.
Atirei fogo nos inimigos: em um instante, os três que corriam na nossa frente se transformaram em tochas humanas.
Um grito de dor ressoou no cemitério: “Waaaah! Socorro!”.
Os que restaram se espalharam por toda parte e, em pânico, começaram a se chocar uns contra os outros.
Jiryu Sendo gritou furioso: “Que diabos vocês estão fazendo!? Querem levar uma surra de um moleque? Vamos lá, façam…”, de repente, porém, ele prendeu a respiração e, com ela, terminou a frase, “E—esperem, não tenham pressa. Vamos conversar sobre isso por um momento…”.
Eu havia me movido para trás dele e segurava uma kunai apontada para seu pescoço. “Vou lhe dizer mais uma vez: caia fora.”
“Quem diabos é você?”.
“Sasuke Uchiha.”
“!”.
“Parece que meu nome não é novidade para você.”
Os seguidores de Jiryu, lutando para acompanhá-lo, puxaram pequenos cilindros e os levaram à boca.
“São cilindros menores! Tome cuidado! Se lhe atingir, você morre!”, gritou Kina.
Uma leve pressão com a kunai foi suficiente e um filete de sangue escorreu do pescoço de Jiryu Sendo.
“Wah! Abaixe essa coisa agora! Você vai me matar?”, exclamou ele, sacudindo-se de medo.
“Diga a eles para largarem as armas”.
“N—não estão ouvindo ele?! Larguem suas armas imediatamente, seus inúteis!”.
Os subordinados obedeceram.
“Parece que meu irmão Itachi tem sido tolerante demais com vocês.”
Jiryu acenou vigorosamente com a cabeça, pingando de suor. “Cer—to! Itachi fez tanto por nós…”.
Os outros apenas observaram a cena de longe, sem abrir a boca.
“Eu não sou tão bom quanto meu irmão em tratar as pessoas com consideração. Ouça-me: não tente chegar perto da Mansão Iperico novamente, ou você terá que lidar comigo”, eu disse, batendo em suas costas com um chute.
Os homens fugiram como cães amedrontados, mas Kina continuou a jogar pedras na direção deles. “Isso mesmo, fujam seus covardes! Não nos incomode mais!”
Achei que o assunto provavelmente não terminaria ali. Afinal de contas, até mesmo os bandidos tinham orgulho.
Mas o que eu poderia fazer? Eu queria deixar a aldeia naquele mesmo dia.
A única maneira de me tornar útil era dar uma de detetive um pouco mais com Kina.
Senti-me aliviado e decidi procurar o local do homicídio.
As pequenas bandeiras fincadas no chão deveriam indicar onde estavam os cadáveres: uma em um arbusto, uma ao lado da lápide e uma na margem do pequeno rio não muito distante.
“Esse pode ser o sangue do homem que foi atingido pela kunai”, disse-me Kina.
De fato, havia uma mancha de sangue na pedra.
Kina farejou tudo como um cachorro, examinou os símbolos escritos na tumba um a um, rastejou no chão para verificar se havia pegadas e escalou os carvalhos.
Eu pretendia estudar aquela mancha de sangue, mas quando tentei me abaixar, de repente senti meus olhos latejarem.
Em poucos instantes, uma dor aguda se espalhou por minha órbita ocular, fazendo com que meus globos oculares tremessem.
Que diabos estava acontecendo?
Cobri meus olhos, que agora estavam tremendo violentamente, com as duas mãos.
Meu campo de visão ficou distorcido e, instintivamente, fiquei agitado.
O Mangekyou Sharingan fora ativado pela morte de um ente querido.
Contei em minha cabeça: vinte e dois dias haviam se passado desde a morte de Itachi.
Essa dor fora causada pelo surgimento do Mangekyou Sharingan em meus olhos.
A morte de um ente querido.
No entanto, até um momento antes de sua morte, eu o odiava com todo o meu ser.
Naquele momento, sob uma chuva torrencial, eu estava até feliz com a morte de Itachi.
Até que Madara apareceu e me disse a verdade, que Itachi havia me dado o Mangekyou Sharingan ao me deixar derrotá-lo.
A morte de um ente querido, de alguém que eu amava.
Itachi conseguiu ver o que era invisível aos meus olhos, cegos pelo ódio.
Foi por isso que fui escolhido pelo Mangekyou Sharingan.
O que eu deveria fazer?
Ele estava me pedindo para me tornar o protetor da Folha?
Era isso que ele desejava do fundo de seu coração?
No entanto, se eu não conseguisse entender o que estava dentro de mim, ele provavelmente também não conseguiria ler minha alma.
Ele estava realmente de acordo com isso?
Deveríamos proteger a Folha ao custo de sacrificar nosso clã?
Não era isso que eu queria. Não um fim assim.
O que eu desejava não importava…
… pois as chamas negras estavam engolindo meu coração.
“Sasuke, você está bem?”, perguntou Kina, pousando uma mão em meu ombro.
“Não me toque ou eu o matarei!”, ameacei, afastando-o bruscamente.
“Sasuke?”.
“Já estou farto de você, de seu irmão e desta aldeia.”
Mais do que tudo, porém, eu estava cansado de mim mesmo.
“Não vamos mais brincar de detetive”, eu disse.
Levantei-me e tentei enxugar os olhos, quando notei sangue em minhas mãos. Como uma água turva que de repente se torna cristalina, minha visão se iluminou, permitindo-me distinguir claramente tudo. Assim como uma vela que queima com um vigor intenso antes de ser completamente consumida, eu me senti prestes a ser incinerado.
Meu coração estava queimando envolto nas chamas do Amaterasu.
“Sasuke? Vamos voltar para casa. Vamos dizer ao meu irmão para preparar seu colírio imediatamente.”
“Cuide da sua vida!”, gritei, empurrando-o para longe.
Naquele momento, algo aconteceu.
Eu não sabia dizer se era devido ao Mangekyou Sharingan que acabara de ser ativado ou se era uma simples coincidência. De qualquer forma, no momento em que empurrei Kina, pelo canto do olho, eu o vi.
Peguei um objeto pontiagudo de dentro do bolso. Eu não sabia o que pensar.
“Por quê? Por que está aqui?”.
“S-Sasuke? Está tudo bem?”.
Caindo com a bunda no chão, Kina olhou para mim espantado, decepcionado e arrependido ao mesmo tempo. Aquele garoto estava realmente preocupado comigo.
Isso significava que nem todo mundo no mundo queria se aproveitar de mim.
Essa consideração me convenceu, fazendo com que eu me sentisse aliviado.
As chamas negras que estavam queimando meu coração começaram a perder intensidade e ficaram cada vez mais fracas, até desaparecerem junto com uma agradável brisa de outono.
Coloquei de volta o que havia recolhido no bolso e estendi a mão para Kina.
“Desculpe.”
“Sasuke…”.
“Vamos lá, vamos embora.”
Kina agarrou minha mão, levantou-se com toda a sua força e usou o impulso para me dar um tapinha na testa.
Passei minha mão sobre o local onde ela havia me tocado.
“Heh heh! Vou lhe perdoar só desta vez, cabeçudo…”, disse ele sorrindo.
Instintivamente, baixei o olhar. “Idiota. Fiquei com fome, vamos colocar algo no estômago?”.
“Ok!”.
Paramos em uma barraca ao lado do cemitério e pegamos alguns dangos horríveis.
Kina e Reishi estavam se esforçando muito, apesar de terem toda a aldeia contra eles. Só restavam os dois: o irmão mais velho e o mais novo. Cheguei, mais uma vez, à mesma conclusão.
Eu nunca poderia odiá-los.
Era o relacionamento deles que eu desejava. Não poderia ser de outra forma.
Kina pegou outra porção daqueles terríveis dangos e encheu a boca com eles, como se fossem deliciosos.
No geral, tinha sido uma tarde agradável.